20 de julho de 2012

A Bastilha de Paris, hoje em dia


Há cidades que se reinventam. Que sabem se reinventar. Algumas, como Paris, são ricas. Outras, são pobres, como Lagos e Dakar, na África. Hoje falarei de uma curiosa reinvenção de Paris: a Bastilha - ou Bastille, como se diz em francês. A bastilha que nomeia o bairro, a antiga fortaleza - bastião, forte, arsenal - a que, ao ser tomada pela população, em 14 de julho de 1789, mudou o mundo, já não existe. 


Logo após a Revolução, ela foi desmontada e usada como aterro em obras públicas. Em seu lugar há uma grande praça, com um monumento. O velho prédio fôra construído entre 1369 e 1380 e era chamada Bastille Saint Antoine, Saint Antoine era o nome do quartier, do bairro, dominado por duas ruas que ainda existem, o Faubourg Saint Antoine e a Rue de Saint Antoine.

No seu lugar instalaram a primeira guilhotina, a dia "Do Ano II", que cortou exatamente 75 cabeças, sendo depois transferida para a Praça do Trono Virado, onde cortou 1.306 cabeças, antes de se instalar na Place de la Concorde, para cortar ainda bem mais que isso. Nesse tempo, a Praça da Bastilha era chamada Praça da Revolução.




A Coluna de Julho, com suas 74 toneladas, levou duraria 15 anos para ser concluída. Ela tem, gravados em ouro, os nomes dos parisienses mortos durante as Três Gloriosas e, em seu topo, figura a estátua do Gênio da Liberdade, Le Génie de la Liberté, composta por Auguste Dumont numa reprodução livro do Deus Mercúrio. Aos nem tão bons entendedores: A associação é: Mércúrio (Deus do Comércio) e Louis-Philippe (o Rei buguês). Pegaram? Pois é, uma revolução monárquico-burguesa... Vá entender.




A monarquia de Julho duraria 15 anos. Tanto ela como o movimento revolucionário que a levou ao poder celebravam a Revolução Francesa, sempre reivindicaram a herança política de 1779. Porém, era uma monarquia, é claro, e logo essas heranças foram esquecidas, ou melhor, traídas, e a revolução de 1845 pôs tudo a perder. E depois tudo ficou mais distante com o II Império, de Napoleão III. 

Mas, ao seu fim, com a instalação da III República (1870-1940), mais uma vez se viu a criação mitos. A III República, mais que todos os momentos políticos anteriores, procurou uma reapropriação simbólica da Revolução de 1789 como história de poder e da própria Bastilha como um espaço público. Essa reapropriação também envolvia reivindicar o ímpeto revolucionário das Três Gloriosas de 1830.


Ufa... se trata de uma representação (da revolução de 1789), dentro de uma representação (da revolução de 1830), dentro de uma terceira representação (da III República, em 1870). Um palimpsesto urbano. Um ciclo de apropriações dos sentidos da cidade.

Temos muito a aprender com isso.


E a história não terminou. Em função de todas essas re-representações, a Bastilha é a praça onde os partidos de esquerda, tradicionalmente, comemoram suas festas políticas. É o ponto de convergência das grandes manifestações e passeatas de Paris comprometidas com os programas socialista e comunista. Isto dito, pode-se compreender porque, em 1981, o primeiro presidente socialista da França, François Mitterand, decidiu que iria construir um novo marco na Bastilha: a nova Ópera de Paris.



E aí começa um novo ciclo de apropriações simbólicas do espaço. Construído para ser inaugurado em 1989 - ano do bi-centenário da Revolução - o novo prédio era provocativamente contemporâneo. Como se Mitterand estivesse dizendo: a Revolução não acabou, ela se renova, com novos compromissos. A nova Opera foi construída no lugar ocupado por uma gare, desativada desde 1969.



Cabe ainda notar que fica nessa praça um outro lugar simbolicamente relacionado ao espírito da revolução: o Café des Phares, que lançou o conceito de Café-Philo, café filosófico, segundo o qual, uma vez por semana (no caso, aos domingos), desde o ano de 1992, um filósofo é recebido para dar uma palestra, seguida por um debate com o público - tudo muito informal, e com vistas para a praça da Bastilha.


4 comentários:

  1. Olá Fábio,

    Lendo seu post tive uma idéia: O Theatro da Paz é a Ópera de Belé, não é? Então a Praça do Operário seria a Bastilha de Belém? Bom, se for assim, que tal construir um novo teatro no lugar daquele memorial ridículo ao Magalhães Barata, que lá está?

    Bom, brincadeirinha, ok? Não leve a sério (com exceção do memorial ser ridículo). Foi mesmo só para te dizer bom dia!

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  2. Oi, o que aconteceu com a outra Ópera de Paris, a antiga? A que foi construída por Napoleão?

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  3. Lucinha, acho que devemos levar muito a sério a proposta de fazer qualquer coisa com aquele memorial. Que, aliás, ofende a memória do do homenageado, prestando um verdadeiro serviço de desmemória.

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  4. Juba,
    A Ópera antiga, geralmente conhecida como Opera Garnier, continua em atividade, sendo usada preferencialmente para espetáculos de dança e balé - mas também como ópera. A Opera Bastille é o centro da temporada de ópera de Paris, concorrendo em geral não com a Gaernier, mas com o Theatre du Chatêlet, outro grande espaço de música lírica.

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