10 de junho de 2012

Memórias da Era da Borracha: Capítulo 3 - Os seios de látex


Um labirinto no espelho. São seis e meia da tarde, minutos mais, minutos menos. Os passeios da cidade se revezam. Há fantasmas transeuntes (fôra hora da Ave Maria), que caminham nas calçadas e se revezam nas lembrancinhas.
Um absalão. As galerias são de tempo ou são de luzes? A modernidade é feminina. Mulheres, listras, bistras, dorsos, seios... bélica esfera guerra.
Quando em Paris, em 1907, faleceu d. Olympia Paes de Carvalho, já então viúva do dr. Augusto Numa Pinto, a colônia paraense naquela cidade compareceu em peso ao cemitério de Montmartre e a sepultou numa curva da oitava aléa, onde se acostumaram enterrar os paraenses da Era da Borracha. Da dita colônia estavam ali, entre outros, o dr. Miguel de Almeida Pernambuco e d. Amália, o jornalista João Marques de Carvalho, Flávio Corrêa de Guamá e o Conselheiro Samuel Mac-Dowell, que se faria enterrar na mesma curva exatamente um ano depois.
Sim, e também estava ali o comerciante de látex Frederico Parks Pond, americano que adotara Belém por causa de amores secretos, e que colocou sobre o túmulo de d. Olympia uma coroa de flores com os dizeres de praxe - Regrets éternnels - e caiu desmaiado, dando início a uma série de boatos que afirmaram que era pela falecida, mais que pela borracha, que ele vivia em Belém.
Quando d. Alice ten-Brick morreu, louca e vã, acorrentada na galeria do último andar do palacete Bolonha, ali próximo ao antigo Poço do Bispo, à av. de São Jerônymo, boa parte da cidade afirmou ter ouvido durante as madrugadas precedentes os seus gritos e lamentos, e então todos mencionaram certa piedade que teriam tido por ela e recordaram que todo o palacete Bolonha fora construído para ela, pelo arquiteto mais importante da cidade, como um presente de noivado. A todos, igualmente, pareceu improvável continuar acreditando com fidelidade nos diversos temas de amor que grassavam na época.
Quando d. Julieta Martin morreu prematuramente, por causa de um câncer em seus seios, o jornalista João Marques de Carvalho mencionou que fora para ela que cunhara a expressão seios de látex, e recordou o dia em que ela, movida por ciúmes do marido, o engenheiro Ferreira Celso, chefe dos serviços d'água da capital, saiu de sua casa e andou pela ruas completamente despida, apenas com um sapato de saltos altos e com uma sombrinha violeta.
Quando Severa Romana morreu assassinada, por ciúmes infundados de seu marido, o escritor Jacques Flores resolveu escrever a história em forma de peça de teatro, e propôs numa mesa de bar que a função dos poetas seria a de fertilizar as inflorescências. Quando, cem anos depois, a neta do escritor me contava sobre o passado, percebi o que seria de fato a proposta de fertilizar as inflorescências.
Quando a Viscondessa do Arary, d. Catharina Leite Chermont morreu, também em Paris, sua neta Cecília passou mal em Belém, e começou a demonstrar os sintomas que também a levariam a morrer, e isto muito impressionou a segunda esposa do senador Justo Chermont, d. Isabel, que avistou o fantasma de d. Brittes, a primeira esposa, enquanto ele visitava a menina.
Quando morreu em Belém a grande dama que foi d. Laura Joaquina Ribeiro de Figueiredo da Gama e Silva mencionou-se que jamais se vira féretro igual atravessando Santa Izabel e uma chuva lavou a cidade e continuou por mais três dias, até que alagasse o bairro inteiro do Jurunas; e esta enchente ficou anotada num diário que não sei de quem é, mas que vê-se bem ser de uma moça noelista.
Porfim, nas vezes em que era noite de Santo Antônio e em que o tempo mesmo me trazia anacronismos, eu me acostumei a ler em inglês certo gênero de poesia que era de algo romântico e de algo moderno:
"A thing of beauty is a joy forever;
 its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness"
Keats.
Continua amanhã.

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